UMA FÉ VISUAL:
A RELAÇÃO ENTRE O CRISTÃO E O
CINEMA
Eu nasci no final do século passado, em
uma época em que nem os filmes nem o acesso a eles — especialmente para as
pessoas em minha condição — eram muito populares.
Tendo nascido em uma família pobre,
poucas vezes fui ao cinema. Das poucas vezes que fui, porém, fui imerso na
experiência de forma a torná-la memorável.
Talvez pelo encanto comum que a sala de
cinema proporciona e pelo seu claro objetivo de entreter, não fácil, prima facie,[1] considerar
o aspecto religioso do cinema.
No século passado, porém, observando com
atenção todos os aspectos do cinema, como a espera para desfrutar de um bem, o
forte anseio pelo abrir das cortinas, a revelação proporcionada pelo filme e a
luz que brilha no escuro, o escritor e sociólogo francês Roland Barthes
concluiu que ir ao cinema era, de certa forma, um evento religioso. Seguindo
pelo caminho de Barthes, Louis B. Mayer escreveu: "Quando as pessoas vão
ao cinema, as luzes se apagam e um bom filme começa a passar diante dos seus
olhos. O que elas realmente desejam é ouvir Deus sussurrar algo a elas que seja
importante de tal forma que o filme penetre profundamente em suas almas".[2]
Se prestarmos atenção, perceberemos pela experiência que assim é.
Se no século passado — e ainda neste — ir
ao cinema não era um evento de fácil acesso, a acessão da máquina abriu o
caminho.
Agora — mais do que nunca — é fácil
assistir um filme no conforto dos nossos lares — embora a experiência seja, em
grande parte, diferente da glória da sala do cinema.
A
facilidade em assistir filmes, porém, criou um novo espaço para as propagandas
políticas, ideológicas e maléficas que já se arrastavam pelos séculos, por meio
da tela.
Como outras artes, o cinema pode ser
usado para a transmissão e persuasão do bem e do mal.
Sendo eu crente na Queda do Homem no
Éden, penso que em qualquer coisa que o homem toca deixa sua marca… uma marca
pecaminosa — aquilo que o escritor Philip Roth se refere como "A Marca
Humana". O homem corrompido, corrompe todas as coisas. E assim é com o
cinema. Uma possível arte é rapidamente transformada em desastre.
Se creio na Queda, creio, também, na
Redenção. E, por isso, posso ver, junto com Shakespeare, "o bem em todas
as coisas". A redenção da arte é motivo de louvor e deleite, para o
cristão.
É, então, pela ótica da redenção que
podemos desfrutar melhor da arte do cinema, bem como da música e da dança; da
pintura e da escultura; da arquitetura e da literatura — não as 'teologizando',
mas vendo nelas sinais da Graça Comum.
Quando vemos um bom filme em casa com a
família ou no cinema com os amigos ou, ainda, sozinhos em nossos quartos, e
desfrutamos do momento em descanso,
diversão e reflexão, glorificamos ao Senhor Deus.
Igor Gaspar (@igorgaspaar) é escritor, autor do livro Os Inklings: o grupo literário de C. S. Lewis e J. R. R. Tolkien.
[1] Do Francês, "à primeira vista".
[2] As duas cotações estão disponíveis em: https://youtu.be/mSTcmbBA3rQ. Acessado em: 28 de Outubro, 2021.
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