C. S. LEWIS E O AMOR PELA LITERATURA
"Você não conseguirá uma xícara de chá suficientemente grande ou um livro suficientemente longo que me satisfaça", Disse C. S. Lewis a seu amigo Walter Hooper, enquanto este lhe servia chá em uma xícara "bem grande" e em suas mãos repousava o "longo" volume Bleak House, de Charles Dickens.
Qualquer um que ler a autobiografia de C. S. Lewis, Surpreendido pela alegria, percebi a profunda importância da literatura em sua vida tão fácil quanto se percebe nuvens no céu. De certa forma, parte de Surpreendido pela alegria pode ser considerada como uma grande jornada literária.
Assim como as águas cercam a terra desde os seus tempos mais remotos, os livros cercavam à vida de Lewis desde a tenra infância. Na casa do pequeno Lewis "havia", como ele lembra, "livros no escritório, livros na sala de estar, livros no guarda-roupa, livros empilhados até a altura do ombro no sótão da caixa d'água, livros de todos os tipos [...]".
Assim como parecia não haver "um livro suficientemente grande" para satisfazer C. S. Lewis, parecia também não haver uma quantidade de livros em sua biblioteca grande o suficiente para dizer: "Basta!". Quando Lewis, então já adulto e próximo do fim da vida, aposentou-se da docência do Magdalene College, Cambridge, havia nos seus aposentos cerca de 2 mil livros, os quais tiveram que ser transportados para sua casa em um "pequeno caminhão" __ para um leitor seria maravilhoso ter dois caminhões em sua mudança: um para os livros e outros para os móveis.
Algo diretamente ligado ao prazer de ler um grande livro e ter uma grande quantidade de livros, era a alegria de Lewis em poder comprá-los, tocá-los, desembrulha-los. Uma biblioteca se forma não de uma vez, mas como um quebra cabeça, peça por peça, livro por livro. Quando Lewis tinha cerca de 16 anos, foi morar em Great Bookham para estudar com o professor "Kirk". Em Bookham, Lewis experimentava tanto prazer na literatura como antes (ou ainda mais). Em Surpreendido pela alegria ele escreve:
Nas tardes de sábado, no inverno, quando o nariz e os dedos podem ficar congelados o bastante para garantir um sabor a mais ao antegozo do chá e da lareira, tendo ainda à frente toda a leitura do final de semana, acho que eu alcançava tanta felicidade quanto se pode alcançar nesta terra. Especialmente se houvesse algum livro novo e muito cobiçado à minha espera.
"Dia nenhum [...] era mais feliz", Lewis escreve, "que aquele no qual a remessa do correio me trazia, durante à tarde, um belo pacotinho [contendo livros]". Assim como Lewis, eu creio que uma das maiores alegrias dos dias é quando o carteiro bate à porta para entregar o livro que estávamos esperando. Certa vez, em uma de suas raras visitas a Londres, Lewis passou em frente ao lugar de onde seus livros eram enviados __ Messrs. Denny da Strand __ ele olhava para o lugar com "uma espécie de referência; tanto prazer [ele] havia me proporcionado".
Uma importante característica do gosto pela literatura __ que por vezes é esquecida pelas editoras __ é o corpo do livro. A beleza da capa, as sempre necessárias __ com exceção nas edições em capa dura, e não para marcar as páginas, mas para embelezar o livro __orelhas, às folhas "amarelinhas", a boa diagramação, o tamanho da letra... Quando encontramos um livro assim bem que poderíamos abraçá-lo. O olhar de admiração nunca falta. Lewis aprendeu essa admiração pela “corpo” do livro com um de seus melhores amigos, Arthur Greeves.
Uma outra coisa que Arthur me ensinou foi amar o corpo dos livros. Eu sempre os havia respeitado. Meu irmão [Warren Lewis] e eu podíamos serrar as escadas de mão sem nenhuma hesitação; mas deixar as impressões digitais ou orelhas nas páginas de um livro nos teria coberto de vergonha. Mas Arthur não respeitava simplesmente; ele era apaixonado, e logo eu também. A diagramação da página, a textura e o cheiro do papel, os diferentes sons que papéis diferentes fazem quando viramos as folhas [...].
Esse amor pelos livros nos faz ver claramente __ e nos causa grande incômodo quando vemos __ quem não os trata com o devido cuidado. Quando ainda estava com o professor Kirk, Lewis percebeu essa falha nele. "Quantas vezes não me arrepiei ao vê-lo pegar um novo texto clássico meu nas mãos de jardineiro, virando as capas para trás até fazer ranger o papelão, deixando suas marcas em cada página!". Lewis lembra de ter comentado a questão com o pai.
Quase sempre algum "Kirk" cruza nosso caminho, que Deus nos livre! Ainda pior: há alguns que pedem os livros emprestados e não os devolvem!
Outra questão acerca do gosto literário, também presente na vida de Lewis, e que às vezes nos ocorre, é quando vamos a alguma livraria, ou pesquisamos em algum site, e encontramos um livro que nos captura de imediato, e, tristeza das tristezas, não temos dinheiro para comprá-lo. No caso de Lewis, ele havia conhecido O Anel dos Nibelungos, de Richard Wagner. Algum tempo depois, Lewis foi visitar uma de suas primas e viu em sua casa um exemplar do livro que continha canções de Wagner e algumas ilustrações de Arthur Rackham. “Eu jamais ousara pensar que fosse um dia ver [aquele livro]. Suas ilustrações, que me pareciam então a própria música em forma visível, mergulhou-me umas braças a mais no meu deleite. Raras vezes cobicei alguma coisa como cobicei aquele livro [...] eu soube que jamais poderia descansar enquanto um exemplar [daquele livro] não fosse meu”. O livro, porém, era incrivelmente caro. Lewis teria que economizar sua mesada por três meses e três semanas para poder comprá-lo; mas seu irmão o ajudou, e assim, Lewis pôde comprar o livro e satisfazer seu desejo __ tão intenso quanto o desejo do rei Davi de beber às águas do poço de Belém.
Um desejo semelhante me ocorreu quando conheci Uma Misericórdia Severa, do amigo de Lewis, Sheldon Vanauken. Quando vi o livro, escrevi em meu diário:
11 de Dezembro: Hoje soube de um livro lançado há pouco que me cativou de imediato. Não posso descansar enquanto não tê-lo. Uma Misericórdia Severa: a influência de C. S. Lewis numa comovente história de amor. Como eu o quero! O livro, porém, é muito caro. Custa cerca de oitenta reais. Esperarei que ele circule um pouco para comprá-lo em condições melhores.
Graças a Deus o comprei, e meu intenso desejo, como o de Lewis e Davi, foi satisfeito.
O amor de Lewis pela literatura nos ensina a amar o livro como um todo: à capa, às folhas, às orelhas, o conteúdo… E, acima de tudo, o amor pela literatura cristã, especificamente, nos ensina a amar Aquele para o qual ela aponta.
Texto de: Igor Gaspar
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