A HERANÇA DOS EVANGELISTAS NA MÚSICA EVANGÉLICA
Estamos
diante de uma realidade muito visível na cultura musical de nossas igrejas: músicas
centradas nas necessidades dos homens. Sejam necessidades existenciais, sejam
necessidades estéticas musicais, parece que o homem está no centro das
preocupações, na escolha e execução das músicas na igreja. Sei que essa
pergunta pode ter passado por sua mente, e acredito que ela seja extremamente
relevante para nosso culto: Em que ponto de nossa história, agradar a Deus
deixou de ser o centro da nossa música para o culto?
O professor
e Maestro Parcival Módolo[1]
contribui de forma contundente para nossa resposta. Ele demonstra como, a
partir do século dezenove houve uma mudança brusca no foco da música sacra, em
seu texto “Música Tripartida: Herança do Século Dezenove”. A partir dessa época
da história da igreja, a música (Instrumentos e partituras) passa ser produzida
em série e passa frequentar as grandes sala de espetáculos e de concertos
musicais, favorecendo o tecnicismo e o virtuosismo instrumental. A arte passa a
ser destinada a um público selecionado, uma arte “superior” exclusivista,
supérflua e dispensável.
Módulo
pontua que o compositor do século dezenove não trabalhava mais a serviço de um
aristocrata ou o Estado ou a Igreja, mas para um ouvinte desconhecido. Ele passa
a ser considerado uma espécie de "ente superior"; um
"profeta". Refletindo sobre essa nova condição o professor e filósofo
Rookmaaker afirma que a partir de então se tornou a arte pela arte, um tipo de irreligião
em que a espiritualidade não possui um papel claramente definido[2].
Dessa forma, declara o Maestro Módulo, a música passa a ter três
classificações: a Música Popular, a Música "Erudita" e a Música Sacra
com trânsito quase inegociável entre elas, no que diz respeito ao local e
situação de execução.
Vieram,
então, as campanhas evangelísticas que se tornaram uma espécie de modelo do
evangelismo de massa da época. Através de evangelistas como Moody, Sankey,
Torrey e Finney nasceu o “Gospel Song”, ou canção evangelística. Um gênero
musical que tinha a função de sensibilizar os grandes auditórios. O paradigma
teológico havia sido mudado, se antes o alvo das canções era Deus a partir do século
dezenove o alvo da canção sacra passou a ser o homem.
Ainda
segundo Módulo, a prática litúrgica da música no Brasil tem sua origem no casal
Robert e Sara Kalley e na missão Presbiteriana com Simonton. Os primeiros
Hinários são formados por hinos traduzidos com essas composições típicas do
século dezenove. A “Gospel Song” tornou-se o estilo mais cantado e conhecido
por seu caráter evangelístico, passando a ser considerado um estilo litúrgico.
Coube a Sara Kalley a criação do hinário protestante no Brasil, os Salmos e
Hinos, base da hinologia da maioria das igrejas evangélicas do Brasil.
Essa
percepção a respeito da divisão funcional da música que passa a vigorar a
partir do século dezenove, tem sérias consequências para a igreja. Podemos
perceber uma grande ênfase no uso da tecnologia para a música que acaba
interferindo na priorização de investimentos nas igrejas e até na arquitetura
dos templos. A tentativa de popularização das músicas com mensagens
evangelísticas também seguiu essa divisão e colocou a música erudita fora do
cotidiano da igreja, relegando-a aos ambientes acadêmicos. Com o passar dos
anos podemos perceber que esse afastamento serviu para o empobrecimento das
músicas para o culto. A centralidade das Escrituras e a diversidade de temas,
encontradas nas culturas luteranas e calvinistas passam a servir
prioritariamente a evangelização. O reverberar desse movimento promove uma
música pobre, seja na musicalidade, seja no conteúdo. Como está a música na sua
igreja? Viva, uma arte rica e profunda ou monótona e descentralizada? A quem
estamos tentando agradar?
[1] MÓDOLO, Parcival. Música Tripartida: Herança do Século Dezenove. FIDES REFORMATA 1/2 (1996) Disponível em: <http://cpaj.mackenzie.br/fidesreformata/visualizar.php?id=14 >. Acesso em: 05/11/16
[2] ROOKMAAKER,
H. R. A arte não precisa de justificativa. Viçosa: Ultimato, 2010.
Rev.. Bruno Campos de Alcantara Santana é Bacharel em teologia: Seminário MTC - Latino Americano - MG (WEC Internacional); Seminário Presbiteriano JMC – SP; e Universidade Presbiteriana Mackenzie - SP. Licenciado em Educação Física pela UEFS - BA. Mestrando em teologia (M.Div.), com área de concentração em Estudos Histórico-Teológicos, no Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper.
0 Comentários