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Um Ensaio Sobre: “O TRILEMA DE C. S. LEWIS” Jesus: Lunático, Mentiroso ou Senhor?

 

Um Ensaio Sobre:

“O TRILEMA DE C. S. LEWIS”

Jesus: Lunático, Mentiroso ou Senhor?

 

“Faça a sua escolha, ou esse homem era, e é, o Filho de Deus, ou não passa de um louco ou coisa pior. Você pode querer calá-lo por ser um louco, pode cuspir nele e matá-lo como a um demônio; ou pode prosternar-se a seus pés e chamá-lo de Senhor e Deus”

— C. S. Lewis, Cristianismo Puro e Simples.[1]

 

 

Sobre Histórias e a Alegoria do Amor

“Por vezes, os contos de fadas podem dizer melhor o que deve ser dito”

 

Há alguns que dizem que uma das formas para tentar entender um pouco a apologética do poeta, filósofo, escritor, professor e crítico literário C. S. Lewis (1898-1963), é lendo The Chronicles of Narnia  (As Crônicas de Nárnia), essa forma de compreensão funcionaria como uma espécie de “chave hermenêutica” para tentar extrair um pouco daquilo que Lewis quis dizer em seus livros que tratam da defesa do evangelho, filosofia, ética e moral, ficção científica, ensaios sobre cultura e etc, por assim dizer.

Outros também dizem que um dos livros mais difíceis de compreensão é o “The abolition of man” (Abolição do Homem). Portanto, levando em consideração o que citei anteriormente, ler “As Crônicas de Nárnia” antes de “Abolição do Homem”, seria se utilizar de uma “chave hermenêutica” para tal compreensão. Mas, acredito que a melhor forma de se pensar é que a leitura primária das crônicas, pode “lançar luz” na leitura dos demais livros; sim te levar a uma melhor compreensão dos escritos mais difíceis. Seria como acender uma lareira numa fria e sombria noite, em uma casa onde não há luz elétrica, a qual não nos fornecerá somente luz, mas também calor — diga-se de passagem que se tentarmos utilizar as crônicas como chave hermenêutica principalmente para compreensão apologética cristã desse “Dinossauro de Oxford” - C. S. Lewis, ao meu ver, corremos o risco de ficarmos procurando teologia em Nárnia e cairmos na falsa acusação da alegoria, ou seja, não é um conto para você ficar procurando doutrina, teologia ou filosofia ao ler, mas para deleitar-se na leitura dele como um conto primeiro.

Apreciar o conto como conto, a magia está aí, ao ler, realmente acenderá uma chama. Deixe ela cair na “lareira do seu coração” e queimar os “duros pedaços de troncos” de preocupações, dores e sofrimentos da realidade que pesam nele; além de luz, manterá seu coração aquecido. Aproveite a leitura ao redor dela, tomando uma saborosa xícara de chá ou café, fará todo sentido. Ao amanhecer poderá encontrar as “cinzas das tristezas”, transformadas em “brasas de alegria”, que poderão acender sempre a lareira.

A fantasia tem esse poder de nos transportar para um mundo imaginário e, vivermos situações naquele universo que gostaríamos de viver aqui, onde podemos encontrar, por exemplo, uma fenix que derrama lágrimas de cura e no final da vida após entoar uma melodia triste, queima-se e, volta a ressurgir das cinzas — um triunfo da vida sobre a morte. E isso já não aconteceu neste mundo? Aquele que chorou lágrimas de sangue, cantou na última ceia, triunfou sobre a morte!?

Se você chegou até aqui, provavelmente já percebeu que comecei defendendo Lewis da acusação de “As Crônicas de Nárnia”, serem uma alegoria do cristianismo, ou ainda, uma “chave hermenêutica” para suas demais obras apologéticas ou não. Mas, neste momento, quero dar voz ao próprio autor. Na sua coleção de ensaios “Sobre Histórias”, publicada em português em 2018, em uma edição especial, cujo titulo original é “On Stories: And Other Essays on Literature” (Sobre histórias: e outros ensaios sobre literatura), Lewis faz sua auto-defesa quanto a essa acusação, em suas palavras:

 

“Deixe-me agora aplicar isso a meus próprios contos de fadas. Algumas pessoas parecem pensar que comecei me perguntando como poderia dizer algo sobre o cristianismo às crianças; então, defini o conto de fadas como instrumento; a seguir, recolhi informações sobre psicologia infantil e decidi para qual faixa etária escreveria; depois, elaborei uma lista de verdades cristãs básicas e moldei "alegorias" para incorporá-las. Isso tudo é pura bobagem. Eu não conseguiria escrever dessa maneira. Tudo começou com imagens: um fauno carregando um guarda-chuva, uma rainha em um trenó, um magnífico leão. No começo nem havia nada de cristão sobre eles; esse elemento apareceu por vontade própria. Fazia parte da ebulição”[2]

 

Como bem disse meu amigo narniano Igor Gaspar, no seu artigo: Quando o amor aparece: “Alegoria do Amor”, de C. S. Lewis: [...] De forma simples, a alegoria nada mais é que personificar o abstrato — como o amor que é imaterial, mas aparece de forma material no Romance da Rosa — como Lewis escreve: “A alegoria consiste em dar um corpo imaginário ao imaterial” [...].[3] Assim, embora “As Crônicas de Nárnia”, apontam para algo transcendente (o que me chama muito atenção também na mitologia – muitos mitos apontam para o transcendente), e ainda conter reflexões filosóficas e teológicas, sombras, imagens e experiências da própria vida do autor, fato é que a obra está na categoria literária de um conto fantástico, uma fantasia propriamente dita e, não de alegoria expressa e material do cristianismo – Aslan não é Jesus e o país dele não é o céu. Como bem disse Lewis: “isso tudo é bobagem...No começo nem havia nada de cristão sobre eles; esse elemento apareceu por vontade própria”.

Deixo uma dica valiosa, ouça o imperdível episódio do nosso PodCast Coram Deo – As Crônicas de Nárnia | CDCast 014[4]. Tive o privilégio de receber o Guilherme Iamarino (Projeto Sola), a Gabriela Bevenuto e o Igor Gaspar (autor de "Os Inklings"), onde batemos um papo sobre Nárnia e, dentre tanto insights literalmente fantásticos, fizemos uma pequena introdução à vida de Lewis e, falamos sobre a produção das estórias de Nárnia e, muito mais como: O que dizem as estórias? Qual a influência delas?


Lúcia, a Destemida: O Trilema Narniano

“Outra vez do lado de cá”

 

 

Porém, minha intenção a seguir é apenas e justamente “lançar luz” ao tema deste artigo — o Trilema de C. S. Lewis — e, para isso me utilizo de um trecho das crônicas, para ajudar na compreensão do trilema e não como chave hermenêutica, haja vista que as crônicas foram escritas entre os anos 1949 e 1954, ou seja, bem depois do livro “Mere Christianity” (Cristianismo Puro e Simples), que é uma adaptação de uma série de conversas de rádio levadas ao ar pela BBC entre 1941 e 1944, quando Lewis estava em Oxford, durante a Segunda Guerra Mundial, no qual contém expressamente o trilema.

No livro mais conhecido das crônicas “The Chronicles of Narnia: The Lion, the Witch and the Wardrobe” (As Crônicas de Nárnia: O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa),  o primeiro em ordem de publicação (1950), mas o segundo na ordem dos livros –  aliás minha sugestão para quem nunca leu as crônicas é começar por ele — creio ser a porta de entrada no universo narniano; se gostar dele, em minha opinião, gostará da saga toda. A narrativa começa durante a Segunda Guerra Mundial, quando quatro crianças (Pedro, Lúcia, Edmundo e Susana), são forçadas a deixar Londres devido aos bombardeios. A mãe delas as envia para a casa de conhecidos em uma pequena cidade na Inglaterra, onde vivia um professor solteiro de meia-idade (Digory Kirke).

No “capítulo V – Outra vez do lado de cá”, após a brincadeira de pique-esconde, na manhã seguinte, os irmãos mais velhos Pedro e Suzana, começaram a convencer-se de que Lúcia não estava em seu perfeito juízo, após ela reafirmar por várias vezes nos dias anteriores, que através do guarda-roupa da sala vazia, havia acessado um país fantástico chamado Nárnia, onde encontrou um bosque com um lampião e em seguida um fauno com uma sombrinha branca e cachecol vermelho, com vários embrulhos de papel pardo e foi até sua caverna. Disse também que Edmundo, seu irmão, adentrou em Nárnia e conheceu o anão e a feiticeira branca, mas o mesmo negou.

Durante alguns dias, ela sentiu-se infeliz e, poderia resolver a questão num instante, bastando dizer que tinha inventado toda aquela história, mas como escreveu, nosso querido “Jack”, o C. S. Lewis, como assim, preferia ser chamado, a pequena Lúcia gostava de falar a verdade. Resolveram contar tudo ao professor, dono da casa onde estavam hospedados, o qual escutou com atenção toda história. E no final disse algo inesperado pra eles:

 

— E quem disse que a história não é verdadeira?

O diálogo prosseguiu, e ele perguntou novamente:

— Acham que ela está louca?

[...] — Lógica! — disse o professor para si mesmo.

— Por que não ensinam mais lógica nas escolas?

— E dirigindo-se aos meninos declarou:

— Só há três possibilidades: ou Lúcia está mentindo; ou está louca; ou está falando a verdade. Ora, vocês sabem que ela não costuma mentir, e é evidente que não está louca. Por isso, enquanto não houver provas em contrário, temos de admitir que está falando a verdade [...][5]

 

Enfim, nesse trilema narniano, ou a pequena Lúcia, futuramente nomeada por Aslan, como Rainha Lúcia, a Destemida, é uma lunática, ou uma mentirosa, ou é a senhorita da verdade!

Os irmãos mais velhos poderiam ficar relutando com isso, tentar calar a pequena como uma louca, ou por mais estranho e inacreditável que poderia parecer, teriam que aceitar que ela estava falando a verdade! A providência através de um evento na história (e não o destino) acabou levando todos para Nárnia, onde agora poderiam com todos os sentidos, ver, tocar, cheirar, apalpar e provar daquele universo fantástico que só ouviram falar – país esse improvável e de loucura para eles, filhos de Adão e filhas de Eva.

 

A Alternativa Chocante

Jesus: Lunático, Mentiroso ou Senhor?

 

Lareira acessa, iluminados e quentinhos, pegamos na velha estante, o “Mere Christianity” (Cristianismo Puro e Simples), e abrimos no capítulo III “A Alternativa Chocante”, em suas últimas linhas  Jack escreveu:

 

“Quero evitar aqui que alguém diga a enorme tolice que muitos costumam dizer a respeito dele: "Estou pronto para aceitar a Jesus como um grande mestre de moral mas não aceito sua reivindicação de ser Deus”. Esse é o tipo de coisa que não se deve dizer. Um homem que fosse meramente um ser humano e dissesse o tipo de coisa que Jesus disse não seria um grande mestre de morał. De duas uma, ou ele seria um lunático do nível de alguém que afirmasse ser um ovo frito ou então seria o diabo em pessoa. Faça a sua escolha. Ou esse homem era e é, o Filho de Deus; ou então um louco ou algo pior. Você pode descartá-lo como sendo um tolo ou pode cuspir nele e matá-lo como a um demônio; ou, então, poderá cair de joelhos a seus pés e chamá-lo de Senhor e Deus. Mas não me venha com essa conversa mole de ele ter sido um grande mestre de moral, pois ele não nos deu essa alternativa e nem tinha essa pretensão”. [6]

 

Para Lewis, Jesus não pode apenas ter sido um grande mestre da moral e da ética excepcional e, ao mesmo tempo, ter feito todas as declarações sobre sua própria natureza divina que são descritas no Novo Testamento.

No filme “A Jornada: Uma Viagem no Tempo”, de 2002, dirigido pelo diretor Rich Christiano, que se passa no ano de 1890. O professor do seminário Russel Carlisle (David Morin) acaba de concluir uma dissertação intitulada: "A Mudança dos Tempos". Seu livro está prestes a receber a aprovação e o apoio da diretoria do seminário quando seu colega, Dr. Norris Anderson (Gavin Macleod), levanta uma objeção. Ele acredita que a tese do Dr. Carlisle poderia ter um impacto significativo nas gerações futuras. Utilizando uma máquina do tempo secreta que construiu, o Dr. Anderson envia o Dr. Carlisle para o futuro, 100 anos à frente, onde ele terá a oportunidade de ver com seus próprios olhos o resultado de sua tese.

No livro do Dr. Caslisle, os princípios éticos e morais e as virtudes são apresentadas ao leitor desassociadas da Pessoa de Jesus, assim o Dr. Anderson quer mostrar ao Dr. Carlisle, as consequências de sua tese. Logo, ao chegar no século XX, através da máquina do tempo, o Dr. Carlisle, encontra um menino que enquanto brincava roubou bolas de gude do amigo, ao chamar atenção do menino, dizendo que aquilo não era correto, o menino perguntou: — quem disse que não é correto? Dr. Carlisle, reagiu com espanto, ele viu com seus próprios olhos o que seu liberalismo incutido na sua dissertação da década de 90 do século XIX, faria um século depois.

Em suas palavras, Lewis está também confrontando um liberalismo de sua época, fruto de apologistas que ecoavam os ensinos do teólogo alemão Friedrich Schleiermacher (1768-1834), justamente do século XIX, considerado o “pai da teologia liberal”. A teologia liberal abordava as doutrinas cristãs considerando os avanços do conhecimento moderno, a influência da ciência e os princípios éticos, atacando principalmente os pilares fundamentais do cânon bíblico, como sendo, infalível, inerrante e plenamente inspirado por Deus e, logicamente colocando em dúvida aquilo que vem sendo defendido desde os pais da igreja, nos primeiros séculos, por teólogos e apologistas medievais e da reforma, ou seja,  a Pessoa de Jesus, como 100% Deus e 100% Homem, principalmente no Concílio de Nicéia em 325, cuja compreensão da Pessoa de Jesus, foi definida e expressada com o termo grego μοούσιος (homoousios), que significa da mesma substância ou essência. Assim, neste sentido, esse termo apresenta Jesus como sendo “da mesma substância, com a mesma essência” de Deus, o Pai e não de substância parecida ou similar conforme defendiam gnósticos e arianos.

Para Lewis, então, as opções razoáveis a partir dos sagrados escritos são: Jesus é um lunático, Jesus é um mentiroso ou Jesus é o Senhor, sendo esta última a “shocking alternative” (alternativa chocante). Vamos refletir as três opções levantadas por Lewis:

Lunático: Essa reflexão questiona se Jesus poderia ser considerado mentalmente instável por afirmar ser Deus, e como isso afetaria sua integridade moral e a legitimidade de seus ensinamentos. Levanta ainda a incerteza sobre seguir os ensinamentos de alguém que possa ser considerado psicologicamente perturbado.

Mentiroso: Essa argumentação levanta a possibilidade de Jesus ter mentido sobre sua identidade divina, afirmando que ele era apenas um homem. Questiona a viabilidade de seguir os ensinamentos morais de alguém que seria considerado um mestre mentiroso.

Senhor: Esse argumento reconhece a identidade divina de Jesus, aceitando que ele é quem diz ser. Destaca que Jesus não é apenas um professor de moral, mas o Filho unigênito do Pai e nosso Senhor.

Lewis não hesita em afirmar que Jesus é o Senhor. Ele chega à conclusão de que é uma tolice estarmos prontos para aceitar a Jesus como um grande mestre da moral, mas não sua reivindicação de ser Deus. Ele diz que Jesus não nos deixou essa alternativa. Em suas palavras:

 

[...] Ou esse homem era e é, o Filho de Deus; ou então um louco ou algo pior. Você pode descartá-lo como sendo um tolo ou pode cuspir nele e matá-lo como a um demônio [...]

 

Portanto, segundo Lewis, precisamos cessar fogo, desengatilhar, tirar nossos cartuchos carregados de munição, jogar nossas armas ao chão, hastear bandeira branca, sair da trincheira e cair de joelhos aos pés do nosso Supremo General e, chamá-lo confessadamente de Senhor e Deus! Seria como uma aliviadora sensação de “imaginar que você está se debatendo sem parar, esperando se afogar e seu pé alcança o fundo”, como escreveu, Thomas Wolfe, em The Story of a Novel. Assim, devemos fazer como fez o discípulo duvidoso Tomé, que se rendeu, parou de se debater, tocou as feridas de Jesus, sentiu o furo da lança do seu lado e, declarou: – Senhor meu e Deus meu! O texto bíblico não fala que Tomé se ajoelhou, mas a imaginação nos dá espaço pra isso, ao pensarmos que ao declamar essas palavras ele estava diante daquele que é nosso onipotente Senhor, cujo todo joelho se dobrará!

 

Para uma melhor ilustração do TRILEMA DE LEWIS:

                                                 


Solus Christus!

 Ad maiorem Dei gloriam!

 

Em Cristo, em Fé, Esperança e Amor:

 

Levi Elias de Almeida Ceccato, esposo, pai, professor e escritor. Presbítero da Primeira Igreja Presbiteriana de Rio Claro - SP. Licenciatura em História pelo Claretiano. Bacharel em Teologia. Pós-graduando em Cosmovisão Cristã, no Seminário Simonton - STPS. Host do PodCast - Coram Deo. Autor do livro “Um Conto do Ordinário”, original Pilgrim. Editor da João Calvino Publicações. Amante da boa literatura e da Teologia serva de Deus. 



[1] LEWIS, C. S. Cristianismo Puro e Simples. Rio de Janeiro, RJ: Thomas Nelson Brasil, 2017, p. 86.

[2] LEWIS, C. S. Sobre Histórias. Rio de Janeiro, RJ: Thomas Nelson Brasil, 2018, p. 92.

[5] LEWIS, C. S. As Crônicas de Nárnia: O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2020, p. 49-51.

[6] LEWIS, C. S. Cristianismo Puro e Simples. Rio de Janeiro, RJ: Thomas Nelson Brasil, 2017, p. 86.


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